Nos natais do salazarismo alguns dos que restavam dentro do país saíam para visitar os seus que, fugidos à guerra ou às prisões, refugiados sobretudo em Paris, fartos de perguntar ao vento que passa notícias do seu país, esperavam com alguma ansiedade pais, irmãos ou amigos, carregados de bacalhau, broa, doces, sabores e cheiros dos lugares da infância e dos avós e saudades dos que ficavam. A festa da passagem de ano, onde todos nos abraçávamos comovidamente, anunciava tristemente o seu regresso aos cafés da Rive Gauche onde se discutiam, em voz baixa e desesperadamente, as estratégias e as tácticas para a revolução que se aproximava inexoravelmente.
Nas estradas da ida ou do regresso cruzávamos centenas de outros portugueses que vinham à terra ou voltavam ao trabalho. Eram os pobres da emigração económica. Os ricos e os pobres, como não teria deixado de lembrar Pasolini, em sentidos diferentes. Uns, poucos, com a teoria, no Petit Cluny, no Lutèce ou no Café Luxembourg, outros, muitos, nas aldeias provisoriamente alegres e vivas durante os dias do regresso a casa natalício. Separados nas estradas ou na cidade, uns na periferia, outros no centro.
Periferia e centro no quotidiano, sentidos contrários no regresso a casa sazonal, juntos na ausência da Pátria durante todo o ano fosse em Lisboa, Paris ou Porto, as três maiores cidades que juntavam aos seus os recém-chegados de Trás-os-Montes, do Minho ou do Alentejo. Um dia, em Paris, quisemos ver como viviam, quem eram, o que pensavam e fomos de automóvel visitar e fotografar para lá das portas da cidade, onde se amontoavam em casas de lata ou madeira, no meio da lama, do lixo, dos cemitérios de carros e de roulottes, em propriedades privadas vizinhas dos grandes immeubles HLM. O Jacinto Rodrigues estudava e tinha em curso um inquérito sociológico que deveria constituir um trabalho académico mas, sobretudo, queria aprender a estar no seio do povo como peixe na água. Talvez um dia percorrêssemos as estradas no mesmo sentido, pensámos. Fomos com ele, a Luísa Brandão, o Zé Mário Branco e eu próprio que tirei as fotografias. Foi no Natal de mil novecentos e sessenta e cinco, faltavam ainda nove anos.|