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Faleceu em 4 de Fevereiro o arquitecto José Maria Segurado (1923-2011), filho de Jorge de Almeida Segurado (1898-90) e sobrinho de José de Almeida Segurado (1913-88), arquitectos destacados no nosso panorama cultural e edificatório.
     Nesta evocação breve das suas obra e acção, há oportunidade para enaltecer o que constitui uma autêntica “dinastia de arquitectos” pertencentes à família Segurado, quer referindo algumas das mais significativas obras destes três profissionais, quer referindo as suas épocas de vida e o seu enquadramento na cultura arquitectónica do tempo.
     Jorge de Almeida Segurado, nascido a 15 de Outubro de 1898, foi um dos grandes autores da arquitectura modernista em Portugal, com obra marcante nas décadas de 1920-30, que habitualmente se refere no “grupo dos cinco” – Cristino da Silva, Pardal Monteiro, Cassiano Branco, Carlos Ramos e Jorge Segurado. Mas, dentro do grupo, Segurado terá sido talvez aquele cuja obra foi menos divulgada até hoje. Para além do trabalho fundador, por Andreia Galvão, A caminho da modernidade, tese de doutoramento infelizmente por editar1, falta ainda sobre ele uma grande exposição, um catálogo ou um estudo de conjunto publicado.
     Filho do engenheiro João Emílio Segurado – autor de um conjunto de preciosos livros técnicos sobre construção, na célebre Biblioteca de instrução profissional, nos anos 1910-20 –, Jorge Segurado dedicou-se também à investigação e aos temas de Teoria e História da Arquitectura Portuguesa – e, neste campo como noutros, é dos cinco arquitectos referidos, aquele que tem obra escrita mais extensa. 
     De espírito conservador, discípulo confesso de Raul Lino (como vários outros do seu tempo, como Cristino e Benavente), Jorge Segurado esteve ligado, desde cedo, à actividade cultural da sua geração, inovadora e de ruptura (Salão dos Independentes, 1930), mas evoluiu, na transição dos anos 1930-40, para o chamado “gosto oficial”, neotradicional.
     Formado em 1924, tirocinou com Tertuliano de Lacerda Marques e trabalhou com Pardal Monteiro na Caixa Geral de Depósitos (CGD), iniciando-se nas obras construídas com o modernizante Mercado de Moura (1926-31), sendo co-autor do geométrico liceu masculino de Coimbra (com Carlos Ramos e Adelino Nunes, 1929-31).
     A sua série de lojas modernistas, em Lisboa (e, em Ponta Delgada, o Café Central e a Ourivesaria A. Frazão), marcou o centro da cidade: eram fachadas em chapa de alumínio lisa e polida, encimadas com lettering art déco, de iluminação interior profusa a néon – introduzindo no Chiado e no Rossio a “nova imagem” comercial do século XX. Enumerem-se as obras: desde a Alfaiataria Marques & Cª, de 1930, na Rua Garrett, 66-68 (depois Sabóia), passando pela Loja Carrasco, de 1931, na Rua Nova do Almada, 83, pela loja do jornal O século, de 1932, na Praça D. Pedro IV, 23, ou pela Galeria UP, de 1933, na Rua Serpa Pinto 28-30, de António Pedro, até à pujante Farmácia Azevedo & Filhos, na Praça D. Pedro IV, 31-33, de 1933-37, de curvilíneo envidraçado, peça onde a colaboração de António Varela (1902-1963), como em outras obras fulcrais do modernismo português (Casa da Moeda, 1933-41, Liceu Filipa de Lencastre, 1932-40) se destacou.
     Personalidade intelectualmente inquieta, investigador e obreiro a um tempo, Jorge Segurado interessou-se pela chamada arquitectura efémera, exposicional, que o Estado Novo tanto incrementou: participou na Exposição industrial portuguesa (alto do Parque Eduardo VII), em 1932, na Grande exposição do hotel modelo, itinerante, em vagão de comboio, em 1933, e dirigiu oficialmente a obra do Pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de 1937, com projecto por Keil do Amaral. Mas o seu destaque neste campo vai para os pavilhões de Portugal das exposições de Nova Iorque e de São Francisco, em 1939, quando viajou na “equipa de artistas” de António Ferro para os Estado Unidos, uma experiência da qual emergiu o seu livro Sinfonia do degrau, de 1940; ainda executou os pavilhões para a exposição do Ministério das Obras Públicas (MOP) no Instituto Superior Técnico (IST) em 1948 (15 Anos de obras públicas).
     Também tem “obras falhadas”, como as ligadas ao campo desportivo: o estudo de conjunto para a Cidade Universitária, no Campo Grande, de 1934 e, sobretudo, o grandioso Estádio de Lisboa, projecto vencedor de concurso, para o vale do Jamor, em 1936-38, interrompido depois da interferência de “um tal Caldeira Cabral” (como o amigo Keil do Amaral se lhe refere em carta), que terá persuadido Salazar (e, por esta via, Duarte Pacheco) a, alternativamente, edificar o actual Estádio Nacional na encosta e não no vale.
     A sua impressiva obra desta época, com a colaboração de António Varela, como referido, inclui a área assistencial, com projectos, entre 1935 e 1941, para os hospitais das Misericórdias, em  Povoação e Velas, nos Açores, e nas Caldas da Rainha (o Lar dos Pobres) – além da original casa-clínica para o naturista Dr. Indiveri Collucci, de 1936-37, em Paço d´Arcos (Rua Lino d´Assunção), com galeria envolvente de sabor “naval”.
     As suas obras dos anos 1940 exprimem bem a forte mudança de orientação estética, para um desenho neotradicional e regional-historicista (como fizeram quase todos os seus colegas da mesma fase, aliás): o núcleo das “Aldeias portuguesas” da Exposição do Mundo Português, em 1940, o barroquizante Colégio de Santa Doroteia, na Quinta das Calvanas, à Alameda das Linhas de Torres, de 1935-57; as requintadas “casas portuguesas”, de Reynaldo dos Santos, na Avenida António Augusto de Aguiar, 142, de 1941, e de Terra Viana (Rêgo Botelho) na Avenida António José de Almeida, de 1943-44; o impressionante prédio no centro da Covilhã (Rua Visconde Coriscada), de 1943, de elaborado desenho neobarroco (para António Roque da Costa Cabral); a Estação da Fronteira do Caia, de 1943; o átrio interior do Solar do Vinho do Porto, na Rua de São Pedro de Alcântara, 45, de 1944, bem como a Casa da Suíça, de 1945, na Avenida da Liberdade, 158-158a (com os arquitectos Max Kopp e Hunaiger); a adaptação do edifício do Museu de Arte Popular (a partir do pavilhão de Etnografia de 1940 por Veloso Reis Camelo), em 1944-47; a Estalagem de Viriato, em 1946-58, na Quinta de Vila Meã, em Viseu; e a casa própria na Encosta da Ajuda, que foi o Prémio Valmor de 1947 (Rua de São Francisco Xavier, 8).
     Projectou cerca de meia centena de postos de abastecimento da SACOR, como o da Caia em 1949 (uma tentativa de ligação moderno-tradicional), um pouco por todo o país, ao longo dos anos 1940-50 – que vão desde um “supertradicional” em Aljubarrota, a um “hipermoderno” em Vilar Formoso (ambos em 1951).
     Neste dealbar da década de 1950, refiram-se os edifícios de ampliação de instalações na Faculdade de Ciências na Rua da Escola Politécnica (com António Varela, ao que sabemos), de elegante desenho modernista, em 1950; a concepção (muito pessoal, segundo testemunho ao autor do texto) da Capela de São Gabriel em Vendas Novas, de 1951 (com vitral por Almada Negreiros), e ainda a agência da CGD nas Caldas da Rainha, de discreta feição neotradicional, de 1952.
     A partir desta fase, Jorge Segurado foi contando com a colaboração estreita de seus filhos, nomeadamente de José Maria Segurado (as  referências concretas serão feitas mais adiante, no texto).
     José de Almeida Segurado (1913-1988; Escola de Belas Artes do Porto – EBAP, 1943) foi o irmão mais novo de Jorge. Segundo testemunho de António Valdemar, fez parte do curso no Porto, por se ter incompatibilizado com o Cunha Bruto (alcunha do arquitecto Paulo Cunha, autoritário e repressivo professor na EBAL) como aliás sucedeu com vários outros colegas seus na época, o que indicia uma atitude e carácter. Trabalhou depois com Jorge Segurado, no início da sua actividade, e foi funcionário do MOP.
     Personalidade forte, homem politizado, de sensibilidade de esquerda, esteve ligado ao PCP e ao PS (com Mário Soares e Salgado Zenha). Casou com Elza Swart Bivar e, em segundas núpcias, com Clara de Ovar, também ela uma forte personalidade.
     José de Almeida Segurado representa bem um caso de arquitecto com pouca obra conhecida, quase sempre em colaboração, mas com uma ou duas peças de grande importância no quadro da arquitectura portuguesa da chamada “afirmação” do Movimento Moderno no País, no pós-Segunda Grande Guerra.
     Depois da obra da Colónia Balnear O século, frente à Estrada Marginal, em São Pedro do Estoril, de 1945 (com Inácio Peres Fernandes, 1911-1989), um conjunto que apenas subscreve o desenho neotradicional, foi com o núcleo urbano dos blocos da Avenida João XXI, de 1946-50 (com Guilherme Gomes, n. 1917, curso na EBAP 1943-44-49,  Joaquim Ferreira, 1911-66 e Filipe Nobre de Figueiredo, 1913-89, curso na EBAP, 1937-39-43), que soube realizar uma notável intervenção de desenho claramente moderno, bem “temperado” por uma sobriedade de formas e volumes, que ajudaram a criar toda uma ambiência urbana, serena e ritmada, daquela longa artéria nova, na área de expansão da cidade, na articulação para o novo Bairro de Alvalade. Permanece como uma das mais bem desenhadas, se não a mais bem desenhada, das novas vias urbanas da sua época.
     Outra obra fulgurante foi a do mais conhecido e celebrado conjunto da Praça/cruzamento das avenidas Estados Unidos da América e Roma, de 1952-55, projectado e realizado com Filipe Nobre de Figueiredo e Sérgio Gomes. Trata-se de uma intervenção de grande expressividade volumétrica e grandiosa escala urbana, onde se soube introduzir, de forma dominante, o desenho dinâmico moderno, em contraste e em “equilíbrio tensionado” com a ideia de composição tradicional de uma praça.
     Finalmente, na remodelação, ampliação e reconstrução do Casino Estoril, de 1965, igualmente com Filipe Nobre de Figueiredo, conseguiu-se dotar aquele equipamento de uma nova imagem, moderna e de escala impressiva, bem articulada com a vasta alameda fronteira ao mar. O novo casino assumiu uma imagem marcada por um luxo de design, mobiliário, iluminação, nos seus espaços interiores, que a contenção monumental dos exteriores soube equilibrar e fortalecer.
     A obra de José Maria Segurado (9 de Julho 1923 - 4 de Fevereiro 2011) está em grande parte vinculada à do pai, Jorge Segurado. De facto, colaborou sempre com ele, desde a sua formação como arquitecto, na EBAL, cerca de 1950, até à reforma do pai, continuando a projectar depois, autonomamente, no mesmo atelier – e exercendo sempre a sua actividade como profissional liberal2.
     Devem, portanto, distinguir-se três grupos de obras resultantes da sua actividade profissional: por um lado, as pertencentes à sua colaboração contínua no atelier de Jorge Segurado, entre os anos 1950 e cerca de 1985, quando o pai deixou de exercer; por outro, as obras de sua autoria, no atelier Segurado, após este período, sensivelmente nos anos de 1985-2005; finalmente, as obras de sua exclusiva autoria.
     Das obras de colaboração no atelier Jorge Segurado, onde se conhece a ampla ou maior participação de José Maria Segurado, refiram-se as dos Edifícios da Fundição de Oeiras e os da Estação Agronómica Nacional, na Quinta do Marquês de Pombal em Oeiras, de 1953-67 (nomeadamente na fase de 1961), que no seu conjunto assumem uma expressão modernizante, algo morigerada. Outras obras destacadas do mesmo atelier, nesta fase, devem ter tido a sua participação activa, como a do Bairro SACOR, nos Olivais, de cerca de 1950 até 1965 (Bairro Oliveira Salazar), e a da Pousada do Infante Dom Henrique, em Sagres, de 1960, inaugurada em 19613.
     Dos trabalhos por José Maria Segurado, podem destacar-se algumas obras do atelier Segurado, pós-1985, onde teve intervenção dominante, como: o edifício  Soponata, em Lisboa, de 1985; os inúmeros projectos para agências, delegações e sede da companhia de seguros A Social, por todo o país, no período de 1987-96; e o arranjo das Quatro Águas/Auditório Jorge Segurado, para a Câmara Municipal de Tavira, em 1998.
     Como obras independentes das do atelier Segurado, em colaboração com outros autores, mencione-se a participação de José Maria Segurado no processo do Pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Bruxelas, em 1957-58, com Pedro Cid (1925-1983, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa – ESBAL, 1952) autor do 1º Prémio no concurso de arquitectura, tendo, no quadro do apoio à obra, residido em Bruxelas por dois anos.
     Destaquem-se, ainda, entre muitas, as obras de sua exclusiva autoria como: o edifício para Fonte de Cobalto, da Junta de Energia Nuclear, de 1966, além de outros edifícios para a mesma Junta, em Sacavém, entre 1966 e 1978; o Instituto Politécnico de Vila Real, de 1975; assinalem-se, das referidas agências para a companhia de seguros A Social, as de Castelo Branco, Miranda do Corvo, Famalicão, Viana do Castelo e Porto em 1986-89; e a ampliação da Pousada do Infante Dom Henrique, em Sagres, em 1990-92.
     Mas o ponto alto da sua autoria é, sobretudo, o edifício do Laboratório Calouste Gulbenkian de Espectrometria de Massa (projecto de cerca de 1960, inaugurado em 1964), que foi erigido no campus do IST, e mais tarde por si ampliado, como Complexo Interdisciplinar do IST, desenvolvido em 1967-69 (obra inaugurada em 1973). Trata-se de um edifício exibindo fachadas com desenho de expressão neutra, discreta, quase corrente – mas com interiores muito trabalhados, dentro de uma dimensão orgânica, quase intimista, que lhe atribui uma especificidade e originalidade únicas no quadro do conjunto do IST (como que um “luxo contido”). Nesta perspectiva, destaque-se o uso de materiais “quentes”, como a madeira de cor natural, em paredes e tectos, no átrio de entrada principal, no espaço de refeições, no auditório e na biblioteca (espaços que a fluidez do átrio articula entre si), bem como a colaboração, na imagem global dos espaços, de artistas plásticos como Lagoa Henriques (escultura parietal da entrada) e Jorge Vieira (painel-biombo do átrio). Na procura da modelação da luz exterior para certas áreas (espaço de refeições, biblioteca), destaque-se, ainda, a utilização muito “corbusiana” de brise-soleils/quebra-sóis verticais, de geometria variável e movimento mecânico, na fachada poente. 
     José Maria Segurado realizou ainda inúmeras obras de habitação no Algarve, como a do engenheiro Rui Ferreira, em Tavira (1963-64), a de Joaquim Tojal em Cabanas de Tavira (1965), a de José Herculano Brito de Carvalho, também em Tavira (1981), e a sua casa própria na Quinta da Pegada, igualmente na área de Tavira.|

Agradecimentos (pelos testemunhos, documentação e informação) My thanks (for testimony, documentation and information) go to: Andreia Galvão, António Valdemar, Georgina Segurado, João Alberto Segurado, Manuela Oliveira, Pedro Segurado Quintino Rogado e Rita Segurado.

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1 Andreia Galvão. A caminho da modernidade: a travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura (1920-1940). Lisboa : Universidade Lusíada de Lisboa 3 vols. Texto policopiado. Dissertação de doutoramento.

2 Na referência à acção de José Maria Segurado como colaborador do atelier de Jorge Segurado, devem indicar-se os outros arquitectos da família que também colaboraram de forma continuada no mesmo atelier: João Carlos Segurado, irmão de JMS; o filho de JMS, António Segurado; e ainda Francisco Segurado Tojal. De mencionar ainda, fora do âmbito do atelier Jorge Segurado, outros familiares descendentes, arquitectos, como Sofia Segurado, neta de José Almeida Segurado, e Pedro Segurado Quintino Rogado, bisneto de Jorge Segurado. Também deve referir-se João Alberto Segurado, designer gráfico, filho de José Almeida Segurado. Refira-se ainda que José Maria Segurado casou com Demitília Segurado, filha do professor de química engº António Herculano Guimarães Chaves de Carvalho, reitor da Universidade Técnica de Lisboa entre 1966 e 1969.

3 Refira-se ainda, nesta fase, a par dos trabalhos onde participou José Maria, a obra dos chamados “blocos amarelos” da avenida do Brasil, 112-132, de habitação económica, para o Montepio, em 1954-59, concluídos cerca de 1963, de Jorge Segurado, pois contaram com a colaboração do seu outro filho, o arquitecto João Carlos Segurado. Constituem dos mais interessantes conjuntos urbanos do Bairro de Alvalade, quer pela implantação seguindo radicalmente a Carta de Atenas (isolados, paralelos, virados a poente-nascente), quer pela escala muito humanizada, quer ainda pelo uso invulgar (e algo irreverente, na cor) do azulejo como revestimento da totalidade das superfícies exteriores.


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