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Iniciamos este texto apresentando Nuno Abrantes (n. 1976) como um arquitecto conservador, podendo ainda acrescentar, de modo sucinto, que o seu trabalho não procura trazer nada de novo à arquitectura. Não se trata de uma denúncia, nem de uma apresentação mal-intencionada. Trata-se de ir directo a uma questão que tem vindo a ganhar contornos de pertinência: que significado tem hoje, no contexto de uma jovem geração de arquitectos, ser-se conservador?

Nos últimos anos, a cultura arquitectónica portuguesa tem assistido a um reavivar da antinomia conservadorismo/vanguarda. (Utilizamos aqui o termo “vanguarda” liberto de qualquer carga histórica, entendendo-o apenas na sua definição mais genérica de movimento intelectual que procura estar à frente do seu tempo no plano das acções ou ideias.) De facto, com base na leitura crítica de alguns posicionamentos assumidos em políticas editoriais, projectos construídos ou estratégias curatoriais, podemos afirmar que existe um ressurgir deste confronto ideológico, que é recorrente e cíclico, entre conservadores e vanguardistas. Na atitude vanguardista, encontramos a ansiedade pelo novo, o desejo de arriscar, o fascínio pela ruptura, a procura da mudança. Na atitude conservadora, encontramos a tranquilidade da permanência, a segurança da continuidade, a certeza da história, a importância da memória. 

O conservadorismo e a vanguarda são dois pólos difíceis de conciliar. Na verdade, não é muito evidente o ensaio de uma terceira via que contrarie esta dicotomia. Não podemos, por isso, deixar-nos iludir pela imaginativa resposta das empresas imobiliárias a esta questão: “Vende-se moradia de arquitectura conservadora com conceitos vanguardistas.” São dois extremos opostos em que, num lado, temos um céptico conservador que desconfia prudentemente das novas possibilidades e, no outro, temos um deslumbrado vanguardista que se entusiasma heroicamente com essas mesmas novas possibilidades. Obviamente, estas duas categorias podem ainda ramificar-se numa série de derivações: o ultraconservador, o conservador-tradicionalista, o conservador-retrógrado, o conservador-progressista, o conservador--moderado; ou, por sua vez, o vanguardista-radical, o vanguardista--renovador, o vanguardista-liberal, o vanguardista-progressista, etc. Haverá etiquetas para todos os gostos e feitios, até mesmo para um conservador-vanguardista ou um vanguardista-conservador. Mas, para já, concentremo-nos no perfil de Nuno Abrantes e na categoria “jovem arquitecto conservador”.

Nuno Abrantes forma-se pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto no ano 2000. Durante o curso, desenvolve um projecto de reabilitação de duas casas rurais em Gondomar (1996-1999) em co-autoria com Fernando Brandão Alves (n. 1958) e dá início ao projecto de um centro de dia para Mangualde (1997-2003). No quinto ano, ruma ao Brasil, onde frequenta a Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, estagiando quatro meses (1999) com Paulo Mendes da Rocha (n. 1928). De regresso a Portugal, trabalha três anos (2000-2003) no escritório de Álvaro Siza (n. 1933), destacando-se o trabalho de coordenação dos projectos da nova reitoria da Universidade de Valência e do restauro da Casa de Serralves. No âmbito do concurso internacional Europan 6, em 2001, ganha o 1.º prémio com um projecto de habitação colectiva destinada a idosos e jovens carenciados da freguesia de Campanhã, Porto, em co-autoria com Benjamin Bancel (francês, n. 1975).

Em 2002, Nuno Abrantes inicia actividade própria como profissional liberal. Desde então, tem vindo a construir o seu percurso com base em encomendas privadas e concursos públicos. Dos seus projectos, retivemos a Casa em Gent, Bélgica (2003-2006), desenvolvida em co-
-autoria com Deborah Vanden Brande (belga, n. 1976) – uma construção sóbria, de piso térreo em L, com tijolo maciço como revestimento exterior. A propósito desta casa, André Tavares (n. 1976), seu colega de curso, teve oportunidade de a descrever, na revistaConstrução Magazine (N.º 21, 2007), como “uma arquitectura manifestamente conservadora porque o projecto não faz o menor esforço para inquietar a forma, o uso ou a construção”. Elogiando a qualidade da construção, assinalou ainda a “despreocupação pela ambição formal” e “o rigor da composição do desenho e do detalhe construtivo”. Num outro projecto a reter, a Casa em Nevogilde (2004-2008), projectada em co-autoria com Rodrigo Hölzer e Brito (n. 1976), podemos encontrar um exercício de recriação da casa urbana portuense, com a implantação transversal das escadas a meio do edifício sob uma clarabóia e com a possibilidade de fruição total da zona da cave, conseguida a partir de dois pátios ingleses nos topos da casa. Na composição da fachada da entrada principal, damos conta de um apontamento curioso de inspiração siziana: a inserção de uma pequena pala inclinada que remata o beiral do vizinho. Um outro projecto que merece ser mencionado é o da reabilitação de uma moradia (2004-2008), do qual resultou o 13.º Opúsculo da Dafne Editora. Escrito por Nuno Abrantes em 2008, o Opúsculo, intitulado 739h/m2, relata uma aventura em torno da aprovação camarária de um pequeno projecto, num enredo emocionante com requintes kafkianos: “A obra tem 24 m2 e passaram 739 dias (dois anos e nove dias) ou 17 736 horas para que o projecto fosse deferido pela Câmara.”

A participação em concursos tem também sido explorada como hipótese de trabalho: em 2006, em mais uma co-autoria com Rodrigo Hölzer e Brito, ganha o 1.º prémio num concurso de ideias promovido pela SACHE – Solidariedade e Amizade Cooperativa de Habitação Económica, com o projecto de reabilitação de um edifício da zona histórica do Porto; e em 2008, em co-autoria com Isabel Beleza 
(n. 1980), ganha duas menções honrosas, uma no Europan 9 (Estónia) e outra no concurso Innovative Ideas Porto Water Tanks (Porto). A partir da sequência destes projectos, percebe-se que Nuno Abrantes tem trabalhado em co-autorias variadas, num método colaborativo diferenciado que promoverá um produtivo confronto de ideias, referências e processos.

Após uma visita ao seu escritório, percebemos que Nuno Abrantes mantém uma cautelosa desconfiança relativamente às novas linguagens e às novas abordagens. Conscientemente alheado das últimas tendências que vão sendo publicadas nas revistas, assume, orgulhoso, a condição de desactualizado, reiterando a fidelidade aos mestres do século XX como Louis Kahn (n. 1901), Alvar Aalto (n. 1898), Le Corbusier (n. 1887) 
ou Oscar Niemeyer (n. 1907). Numa entrevista concedida ao movimento Projecta Futuro, um blogue formado por estudantes de arquitectura, Nuno Abrantes admite com naturalidade o rótulo: “Os meus amigos dizem que eu sou um clássico, quando não dizem que eu sou um conservador.» De facto, Nuno Abrantes assume-se como um arquitecto conservador, que gosta da gravidade dos objectos, da linha recta, do banal. No seu trabalho, no seu discurso, não existe qualquer obsessão pela originalidade, pelo novo ou pela ruptura. Nesse sentido, podemos dizer que o seu posicionamento revela uma atitude convicta e comprometida que vem contrariar um certo estado de alma que defende que “a arquitectura em Portugal vive tempos de paz morna”. Sem complexos, apresenta-se como um arquitecto que não pretende romper, rasgar, revolucionar. Não lhe interessa explorar novas materialidades, preferindo, antes, a solidez, o rigor e a qualidade construtiva de outras décadas. Opta por jogar pelo seguro e trabalhar com os materiais já testados, clássicos, eternos, intemporais, não arriscando na utilização de materiais recém-chegados ao mercado. Desta forma, privilegiando noções de durabilidade e permanência, procura construir edifícios que desafiem as marcas do tempo. 

Uma reacção sintomática do seu espírito conservador acontece no prazer sentido quando alguém considera que um projecto seu é muito mais velho do que na realidade é, como já chegou a acontecer com a Casa em Nevogilde, projecto confundido com uma obra de requalificação. No percurso de Nuno Abrantes, podemos ainda identificar uma precoce maturidade, uma maturidade também pressentida na entrevista realizada pela Artecapital(2010) ao Atelier da Bouça, formado por Tiago Correia (n. 1976) e Filipa Guerreiro (n. 1976), ambos seus colegas de curso. Subscrevendo grande parte das respostas da entrevista, Nuno Abrantes identifica-se com algumas ideias, como a desconfiança relativamente a um discurso da pele, a resistência a um domínio hegemónico da imagem ou a recusa de uma lógica demarketing que abafe o verdadeiro exercício da arquitectura. Por detrás da partilha destas ideias, numa facção de jovens arquitectos, vai-se revelando uma autoconsciência dos princípios que fundamentam uma determinada moral ética do acto de projectar.

Porém, esta moral, se por um lado revela maturidade, sabedoria e sentido de responsabilidade, por outro, pode correr o risco de provocar uma “perda de curiosidade” – como detectou Pedro Machado Costa (n. 1972) no blogue As catedrais –, um risco decorrente de um certo conformismo conservador que impede a abertura e a disponibilidade para a surpresa, o novo, o estranho e o desconhecido. Será por isso necessário estar atento a estes sintomas, ainda para mais quando se trata de um fenómeno que tende a agravar-se com o passar do tempo. Como possível antídoto para evitar esta perda de curiosidade, poder-se-á receitar uma “certa dose de delírio”, como Godofredo Pereira (n. 1979) prescreveu num texto publicado no blogue Projecta futuro. No entanto, esta terapêutica tem algumas contra-indicações, não sendo indicada a conservadores-retrógrados e ultra-conservadores, dado que apresenta efeitos secundários que podem provocar desequilíbrios, tensões, perda de memória, contradições e alucinações. 

No panorama arquitectónico actual, o discurso conservador não será o mais sedutor, muito menos para um jovem arquitecto. Talvez por isso, o despontar deste novo conservadorismo mereça ser objecto de maior reflexão. |



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