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Fernando Schiappa de Campos nasceu a 20 de Abril de 1926. No início dos anos de 1950 frequenta a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) onde se diploma arquitecto. A tese de final de curso, que defende em 1954, indicia precocemente o seu interesse por equipamentos escolares que aprofundará na primeira etapa da sua vida profissional. Propõe então um colégio para Torres Novas onde recorre a uma linguagem moderna dentro do ideário do Estilo Internacional que caracteriza o seu trabalho, pelo menos até à década de 1970. O projecto parte de uma organização linear que definirá estruturalmente outras construções escolares desenvolvidas por Schiappa de Campos ao serviço do Estado. Contrariando testemunhos de outros colegas de curso, quanto ao ambiente “mais conservador” da escola lisboeta, realça a boa receptividade do mestre Cristino da Silva à sua proposta de CODA (Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto). Em destaque estão os aspectos funcionais que se sobrepõem aos estéticos, condição que o conjunto da sua obra evidencia como dominante, e que aparentemente o professor lisboeta apoiava. Recorda igualmente o contributo de Luís Alexandre da Cunha, docente de construções, na sua formação mais técnica.
     Em 1956 está já ao serviço do Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU) como arquitecto tarefeiro, depois de uma passagem pelo ensino técnico e preparatório enquanto docente. O GUU, dependente do Ministério do Ultramar (MU), fora criado por Marcelo Caetano em 1944 (sob tutela do Ministério das Colónias, chamando-se então Gabinete de Urbanização Colonial) com o objectivo de “estudar e acompanhar a formação e o desenvolvimento dos aglomerados populacionais nas colónias” (Decreto nº 34 173 de 6 de Dezembro). Sediado na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, executava, para lá dos planos urbanos destinados aos territórios ultramarinos, os principais edifícios públicos a implantar nessas regiões do Império português. Mais tarde será instalado no 5º andar do edifício do MU no Restelo.
     É neste contexto que vamos encontrar Schiappa de Campos como um dos responsáveis pela redacção das Normas para as instalações dos liceus e escolas do ensino profissional nas províncias ultramarinas (1956), juntamente com o arquitecto João António Aguiar, à época director do GUU, e o engenheiro civil Eurico Gonçalves Machado da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização do Ministério das Obras Públicas destacado neste organismo. A sua experiência anterior deve ter sido ponderada na sua escolha para integrar este grupo de trabalho, onde Aguiar teve um papel secundário. O documento descreve uma metodologia assente em princípios racionalistas que, de modo genérico, reproduzem a abordagem ao projecto desenvolvida nestes gabinetes oficiais. O objectivo é criar um corpo teórico capaz de salvaguardar os aspectos de funcionamento das escolas construídas pelo Estado, dentro de ideais de economia e padronização construtiva, sem aparentemente induzir a “quaisquer disposições de carácter estético” como é referido nas Normas. Segundo Schiappa de Campos, o recurso a uma figuração monumentalizada e por isso aproximada do que se convencionou categorizar como “arquitectura de regime”, que homogeneíza a produção do GUU, deve-se às figuras tutelares de Aguiar ou de Lucínio Cruz, cujos edifícios projectados para a Metrópole seguiam igual figurino.
     Entre 1956 e 1960, Schiappa de Campos assina, individualmente ou em parceria, p.e. os projectos para as Escolas Técnicas Elementares de Silva Porto, Malange, Nampula e Inhambane, as Escolas Comerciais Freire de Andrade (Beira) e de Quelimane, ou o Liceu de Nova Lisboa. Quando não integra a equipa projectista, participa nas Comissões de Revisão que são montadas para analisar a qualidade dos projectos escolares executados internamente pelo próprio GUU. A sua actuação não é exclusivamente dedicada às novas escolas, estendendo-se aos mais variados programas. Fá-lo sempre dentro de um exercício que transmite modernidade através do cumprimento de normas técnicas expressas no controlo da insolação e assegurando a ventilação transversal, mesmo que os alçados reproduzam um ideário historicista. Estas medidas caracterizam o essencial de qualquer projecto para as regiões tropicais.
     Desmentindo a falta de preparação muitas vezes imputada aos profissionais do GUU, o MU aposta na sua especialização, enviando parte dos seus técnicos a Inglaterra, durante os anos de 1950 onde, na época, os estudos sobre ambientes tropicais estão em voga. Alguns destes profissionais obtêm uma formação mais orientada para o urbanismo, em Oxford, enquanto outros se dirigem para Londres, a fim de frequentarem o curso de Arquitectura Tropical ministrado na Architectural Association (AA) por peritos de filiação moderna, como o casal Maxwell Fry e Jane Drew (colaboradores de Le Corbusier em Chandigarh), ou o germânico Otto Koenigsberger. Na escola londrina recomenda-se já uma atenção às soluções nativas. O curso dura então cerca de seis meses. Schiappa de Campos estuda na AA em 1958, regressando em 1959. Reflexos desta formação podem ser percebidos no projecto da Escola Rural Tipo que desenvolve para Guiné (1961), onde cruza os ensinamentos da cultura moderna com as diferentes etnias que compõem a sociedade guineense. O projecto estrutura-se a partir de princípios modulares, herdeiros de uma abordagem estandardizada, enquanto se recomenda, para as partes construtiva e decorativa dos edifícios, “que se apliquem [...] os motivos e os materiais correntes das várias regiões”, como se descreve na memória descritiva.
     O seu trabalho no GUU leva-o também a realizar algumas missões nos territórios ultramarinos, destacando-se a que cumpre na Guiné entre 1959 e 1960 na companhia do arquitecto António Seabra e onde regista fotograficamente os diferentes habitats que compõem a futura Guiné Bissau, inspirando-se nos trabalhos pioneiros de Orlando Ribeiro datados de 1947 (Relatório da missão de estudos de geografia física e humana à Guiné). Dessa viagem resultará, já em 1970, um relatório da Junta de Investigação do Ultramar intitulado Habitats Tradicionais da Guiné Portuguesa, ilustrando o tipo de pesquisa em que se envolvem os portugueses e cumprindo as orientações internacionais sobre os habitats nativos.
     Ainda dentro do quadro de actuação da Direcção de Serviços de Urbanização e Habitação (DSUH) sob tutela da Direcção Geral de Obras Públicas e Comunicações (do MU), que substitui o GUU em 1957, presta consultoria em Moçambique em 1964 com Mário de Oliveira, ajudando na avaliação de 13 processos urbanos junto da Secção de Urbanização local. Esta colaboração revela o tipo de actividade que define a actuação da DSUH durante os anos 60, quando diminui a solicitação de projectos fornecidos por Lisboa para as duas grandes províncias ultramarinas, Angola e Moçambique. Os dois arquitectos são incumbidos de auxiliar a aplicação das Bases para o estudo de planos de urbanização, produzidas em Maputo em 1960, transformando as orientações “idealistas” que constam no documento, em soluções mais “realistas”. Regressado de uma viagem de estudo à Nigéria e ao Senegal, onde tinha tido oportunidade de observar o aumento dos movimentos migratórios das populações rurais africanas para os centros urbanos, pressionando a cidade convencional, defende a integração dos assentamentos nativos de carácter mais espontâneo nos novos planos moçambicanos.
     No final dessa década desloca-se a Timor, onde constrói uma das suas obras mais representativas: as instalações do Banco Nacional Ultramarino em Díli e as habitações dos respectivos funcionários. O edifício, um dos mais expressivos da cultura moderna do período colonial erguido na capital timorense, é caracterizado por uma implantação linear, formando um L com a Casa do Gerente e, a nível das fachadas, pelo recurso a grelhas horizontais e verticais que garantem o indispensável ensombramento. Nas casas dos funcionários, Schiappa de Campos recorre igualmente aos seus conhecimentos sobre climas tropicais. Evitando a dependência de sistemas mecanizados de ar condicionado, desenha as residências para que possam contar unicamente “com os seus dispositivos construtivos”, como escreve na revista Binário que faz capa com este projecto num dos números editados em 1969. Se os aspectos funcionais são resolvidos em planta, o corte garante os climáticos. A antiga sede bancária foi entretanto reabilitada.
     Projectos como os de Timor mostram que a linguagem moderna está perfeitamente assimilada por esta geração que, todavia, privilegia os aspectos construtivos e funcionais sobre os estilísticos. Em Schiappa de Campos esse facto torna-se mais claro quando se comparam os projectos realizados no âmbito do GUU e os que executa paralelamente fora do gabinete, mesmo dentro de um regime de contenção de custos. Caso exemplar é o Cine-teatro Virgínia, em Torres Novas, de 1956, de indubitável perfil moderno. A revista Arquitectura, publica-o no ano seguinte, juntamente com o Cinema Avis de Maurício de Vasconcelos, destacados pela escala cuidada, cor, materiais e iluminação. Quanto ao Virgínia, elogia-se a qualidade da sala principal concebida como “uma arquitectura ao serviço” da comunidade, de grande “simplicidade” de meios.
     Depois da Revolução de 1974, dá-se a extinção do MU que passará a Ministério da Coordenação Interterritorial de existência muito curta. Schiappa de Campos transita entretanto para o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção (activo entre 1975 e 1978), que se ocupa das políticas de habitação e planeamento durante o período revolucionário.
     Oferece-se para leccionar na ESBAL, cujo curso de arquitectura é na época tutelado por duas figuras influentes: Frederico George e Formosinho Sanchez. Permanece entre 1969 e 1980, ministrando Projecto de Arquitectura. Mantendo o seu escritório em actividade nas Avenidas Novas, continua a colaborar em projectos. Encontra-se actualmente a preparar um livro com o material fotográfico recolhido na Guiné durante a missão de 1959/1960.|

 


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