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     SAMI-arquitectos, o atelier de Setúbal fundado em 2005 por Inês Vieira da Silva (Setúbal, 1976) e Miguel Vieira (Lisboa, 1977), apresenta-se actualmente como uma das mais promissoras revelações da jovem arquitectura portuguesa. Com menos de 35 anos, a dupla pertence à novíssima geração de arquitectos portugueses que nasceram após a revolução de 1974 e que se formaram nos primeiros anos do século XXI.
     Inês Vieira da Silva licenciou-se pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa no ano 2000, realizou estágio curricular com o arquitecto Philippe Gazeau em Paris e colaborou com o arquitecto João Luís Carrilho da Graça (2001-2002). Por seu lado, Miguel Vieira licenciou-se na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 2001, realizou estágio curricular no Departamento do Centro Histórico de Évora e colaborou com os arquitectos Fernando Martins, João Santa-Rita, Andrew Shore e João Matos no projecto do Arquivo Municipal de Loures (2002). No entanto, é nos Açores, a partir do Gabinete Técnico da Paisagem Protegida da Vinha da Ilha do Pico, que os futuros SAMI-arquitectos tiveram oportunidade de tactear um percurso ao longo de vários projectos, de 2002 a 2004.
     Localizado na Ilha do Pico, o Centro de Visitantes da Gruta das Torres [a] (2003-2005) é a obra mais divulgada dos SAMI-arquitectos, tendo sido nomeada em 2007 para o prestigiado Prémio Europeu Mies Van der Rohe. No ainda curto percurso dos SAMI, será este o projecto que marca a diferença e que suscita o interesse e a expectativa no seu trabalho.
     Inserida numa paisagem açoriana marcada pela Montanha do Pico, a Gruta das Torres, classificada em 2004 como Monumento Natural Regional, é o resultado único de um fenómeno geológico com origem vulcânica. Com a decisão de abertura ao público da Gruta em 2005, surge a necessidade de proteger e controlar o seu acesso – uma abertura natural que resulta do abatimento do tecto da cavidade rochosa – através da construção de um edifício que permita também dar apoio e informação ao visitante. Assim, a intervenção dos SAMI procurou “desenhar simultaneamente aquela protecção e o próprio edifício através de um muro ondulante de pedra, o qual se transforma num rendilhado ao tocar no edifício”.
     De forma contundente, o muro é o elemento contínuo que organiza o espaço, contornando livremente as duas aberturas da gruta e estabelecendo a implantação do edifício. Feito com pedra argamassada, o muro é, no entanto, trabalhado e desagregado na parte sul envolvente do edifício através de um sistema construtivo local de emparelhamento, seme-lhante ao utilizado na construção dos “currais de figueira”, o que permite explorar a luz filtrada pelas pedras no interior. Esta “desconstrução” momentânea do muro confere carácter ao edifício, integrando-o assim na pétrea paisagem açoriana. O circular gesto formal delimitador do terreno é rematado à entrada por um outro muro, perpendicular ao de pedra, que se apresenta com o mesmo revestimento do edifício – uma impermeabilização de cor preta semelhante à textura da lava vitrificada existente no interior da gruta. Dentro do edifício, um pavimento betuminoso acompanha o visitante desde a sala da recepção até ao auditório, juntamente com as pedras emparelhadas que o prepara para a descida à gruta.
     Os SAMI não evitam o arquitectónico acto da construção de edifícios na paisagem – através da composição plástica do preto vulcânico do edifício e da pedra emparelhada do muro, desenham a curva que dá origem à inesperada black box: “Perante uma paisagem tão forte como a que envolve a Gruta das Torres procurámos a integração do edifício não deixando de desenhá-lo como forma arquitectónica que é.”
     No Centro de visitantes da Gruta das Torres, a utilização das pedras emparelhadas, como dispositivo de mediação interior/exterior, estabelece uma estreita relação com o projecto Adega Dominus (1995-1997) da autoria da dupla Herzog & De Meuron, onde, na paisagem californiana de Napa Valley é ensaiada a possibilidade matérica dos gaviões de pedra constituirem simultaneamente parede sólida e translúcida. A influência é clara, havendo naturalmente uma re-interpretação do tema. Uma das diferenças entre os dois projectos está na distância que vai entre o pano de parede e o pano de vidro – se, no caso do Centro da Gruta das Torres, vidro e pedra fazem parte do mesmo sistema de mediação, no caso da Adega, a distância permite a existência de um corredor entre o vidro e a pedra, ou seja, a circulação do ar e das pessoas.
     Poderá ter sido esta cumplicidade construtiva uma das principais razões para o atelier SAMI ter sido escolhido, em 2007, para participar no projecto Villa Ordos100 [b], um empreendimento imobiliário, na região chinesa da Mongólia Interior, dado que a dupla Herzog & De Meuron foi a responsável pela escolha dos participantes. Os SAMI são os únicos portugueses presentes, num total de 100 jovens equipas de arquitectos oriundas de todo o mundo. Neste contexto, cada equipa convidada projecta uma habitação de luxo para um terreno com 1000 metros quadrados, com total liberdade para pensar, desenhar e construir. Sem condicionantes que orientem o projecto de arquitectura, os SAMI são forçados a “explorar um conceito de projecto que possa lidar com as inúmeras incógnitas que moldam todo o processo criativo”. A solução proposta pretende trazer luz ao interior do volume, virando a casa para si própria, e conferir fluidez aos espaços, através da ideia de uma linha/parede contínua que se quebra, dividindo o espaço interior.
     Numa primeira interpretação, o projecto limite da Villa Ordos fornece uma possibilidade de leitura da abordagem dos SAMI – confrontados num plano abstracto, de grau zero, de «arquitectura pura», revelam a vontade de agarrar as diferentes partes do projecto através de uma linha contínua. Este gesto, conceptual, que atravessa a obra da jovem dupla, revela uma vontade de coerência, de rigor, de controlo do desenho; encontra-se presente no Centro de Visitantes da Gruta das Torres, na Villa Ordos, e no empreendimento turístico do Lagido (2005), onde várias edificações estão ligadas por um muro de pedra que surge como elemento unificador do conjunto.
     No percurso que esta dupla de arquitectos tem vindo a traçar, pressente-se claramente esta vontade – uma vontade traduzida num gesto contínuo, objectivo, rigoroso, mas também disponível, livre e aberto. |

 


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